Pular para o conteúdo principal

Roraima lidera assassinatos de indígenas com 47 mortes, diz relatório do Cimi

Indígenas guarani-kaiowá
Eloy Terena/Instagram


No primeiro ano do governo Lula, além de Roraima, MS e Amazonas somam 79 assassinatos de indígenas


Por Leandro Barbosa | Edição: Thiago Domenici

Agência Pública




Entre os dias 13 e 14 de julho, em Douradina, cidade que fica aproximadamente a 3h de Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul (MS), indígenas Guarani-Kaiowá, da Terra Indígena (TI) Panambi – Lagoa Rica, retomaram parte de seu território ancestral que estava ocupado pela monocultura. O revide de fazendeiros da região foi imediato. Jagunços em caminhonetes pretas cercaram a retomada e começaram a atirar. No mesmo fim de semana, na cidade vizinha, Caarapó, outra retomada também foi atacada a tiros. Os ataques culminaram em ao menos duas pessoas baleadas, entre elas um cacique de 52 anos, além de uma liderança religiosa agredida nos braços e pernas e outros feridos.


Por que isso importa?

  • Esses dados evidenciam a grave situação de violência e violações de direitos enfrentada pelos povos indígenas no Brasil. Os assassinatos e ataques registrados mostram um cenário de insegurança e impunidade, refletindo a falta de proteção.

Desde então, as retomadas continuam ameaçadas, com lideranças da região denunciando constantemente o terror vivido nos últimos dias. Além dos tiros, jagunços incendiaram a área em torno da retomada em Douradina. Nem mesmo a presença da Força Nacional na região intimidou os criminosos ou impediu os ataques. O cerco aos Guarani-Kaiowá limitou o acesso das comunidades à comida, resultando em vários pedidos de cestas básicas. Além disso, há denúncias de que estabelecimentos comerciais da cidade se recusam a vender comida aos indígenas.

Indígenas guarani-kaiowá esperam desde 2011 pela demarcação da TI Panambi – Lagoa Rica

A violência perpetrada contra essas comunidades condiz com as informações do relatório “Violência contra os Povos Indígenas no Brasil — 2023”, divulgado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) nesta segunda (22). O documento apresenta um retrato das diversas violências e violações praticadas contra os povos indígenas em todo o país. 

De acordo com o relatório, o primeiro ano do governo Lula restabeleceu as ações de fiscalização e repressão às invasões em alguns territórios indígenas. Contudo, a demarcação de terras e as ações de proteção e assistência às comunidades continuam insuficientes. A publicação destaca que o ambiente institucional continuou a atacar os direitos indígenas, resultando na persistência de invasões, conflitos, violência contra as comunidades indígenas e altos índices de assassinatos, suicídios e mortalidade infantil.

Conforme a publicação, no último ano foram registrados 43 assassinatos de indígenas no Mato Grosso do Sul, colocando-o em segundo lugar no ranking nacional de violência contra essa população. Roraima lidera o ranking com 47 mortes, enquanto o Amazonas está em terceiro, com 36 casos.

Diante disso, a palavra que os Kaiowá encontraram para chamar o horror em que vivem é guerra. “Nós estamos numa guerra onde o povo Guarani-Kaiowá é massacrado. A gente não vai ficar em paz sem a demarcação, homologação e posse do nosso território”, afirmou um indígena da Panambi, que preferiu não se identificar por segurança. 

Direito à terra

A luta dos indígenas Guarani-Kaiowá pela demarcação de suas terras no Mato Grosso do Sul dura décadas. No caso da TI Panambi – Lagoa Rica, a espera é desde 2011, quando 12,1 mil hectares de seu território foram identificados e delimitados. 

Porém, seu processo de demarcação está paralisado dada a morosidade do Estado e medidas legislativas inconstitucionais como a Lei 14.701 e a PEC 40, que buscam instituir a tese do marco temporal, que propõe que os povos indígenas tenham direito apenas às terras que estavam ocupando na data da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988. Tal tese foi considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Em um vídeo publicado neste sábado (20) pela Aty Guasu, a assembleia geral do povo Guarani-Kaiowá, uma ñandesy – liderança espiritual da comunidade –, em meio à PM e à Força Nacional na TI Panambi, reafirmou a resistência do povo e o seu direito à terra:

“Essa terra tem dono: essa terra é nossa! Ela nos foi entregue pelos nossos ancestrais. Essa terra foi feita por nossos encantados e foi deixada para nós. Nós vamos permanecer aqui. Nós pedimos que os invasores saiam daqui, porque esta terra pertence a nós. Nós queremos viver e plantar aqui. Queremos esta terra pros nossos netos. Para todas as crianças, à geração que está vindo. Estamos lutando por essa terra. Vamos morrer aqui mesmo! Não importa o ataque, morreremos aqui”.

A situação dos Kaiowá não é isolada. Indígenas de várias regiões do país, cansados da inação do Estado na demarcação de terras, estão retomando seus territórios, resultando em um alto número de conflitos. Em julho, pelo menos 13 ataques a indígenas foram registrados, principalmente em retaliação a retomadas e autodemarcações em estados como Paraná, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Ceará e Pará.

De acordo com o relatório do Cimi, do total de 1.381 terras e demandas territoriais indígenas existentes no Brasil, a maioria (62%) segue com pendências administrativas para sua regularização, conforme a base de dados da organização. São 850 terras indígenas com pendências, atualmente. Destas, 563 ainda não tiveram nenhuma providência do Estado para sua demarcação. 

Placa de demarcação de território indígena
Maiara Dourado/Cimi
Lideranças indígenas relatam momentos de violência durante retomadas de territórios

Situação que o relatório classifica como “violência contra o patrimônio”. Os registros dessa seção dividem-se em três categorias: omissão e morosidade na regularização de terras, na qual foram registrados 850 casos; conflitos relativos a direitos territoriais, que teve 150 registros; e invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio, com 276 casos.

O Ministério dos Povos Indígenas (MPI) informou na última terça (16), em conjunto com o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) e a Funai, que duas missões foram estabelecidas para mediar conflitos fundiários nos estados do Mato Grosso do Sul e do Paraná, após ataques com armas de fogo. O MPI ainda disse que os ataques contra os Kaingang no Rio Grande do Sul vêm sendo monitorados e acompanhados pelo ministério. 

O MPI enfatizou que “a instabilidade gerada pela lei do marco temporal (lei 14.701/23), além de outras tentativas de se avançar com a pauta, como a PEC 48, tem como consequência não só a incerteza jurídica sobre as definições territoriais que afetam os povos indígenas, mas abre ocasião para atos de violência que têm os indígenas como as principais vítimas”.

Nos três casos destacados pelo MPI (Avá-Guarani no PR, Guarani-Kaiowá no MS e Kaingang no RS), houve incêndios criminosos nas retomadas. Os agressores incendiaram malocas e matas ao redor. Em todos os casos, denunciam os indígenas, os ataques ocorreram horas após a saída de representantes do ministério e apesar da presença da Força Nacional deslocada pelo governo federal para as regiões.

Omissão do poder público 

O ano de 2023 também foi marcado pela omissão de agentes públicos em situações relacionadas à morte de indígenas, que poderiam ter sido evitadas. Segundo o relatório, foram registradas 1.040 mortes de crianças indígenas de 0 a 4 anos, principalmente no Amazonas (295), Roraima (179) e Mato Grosso (124). A maioria das mortes foi causada por doenças evitáveis, como gripe e pneumonia (141), diarreia e gastroenterite (88) e desnutrição (57). 

Além disso, ocorreram 180 suicídios de indígenas, com os maiores índices no Amazonas (66), Mato Grosso do Sul (37) e Roraima (19). Houve 344 casos de desassistência, incluindo educação (61), saúde (100) e desassistência geral (66). 

O documento destaca a situação crítica dos povos indígenas em isolamento voluntário em 2023. Dos 119 registros de isolados feitos pela Equipe de Apoio aos Povos Livres (Eapil) do Cimi, 56 estavam em terras indígenas que sofreram invasões ou danos. Além disso, 37 registros de isolados fora de terras reconhecidas não receberam proteção adequada. A maioria das operações de fiscalização foi insuficiente, e lideranças de TIs como Vale do Javari, no Amazonas, e Karipuna, em Rondônia, continuaram denunciando a presença de invasores.

O relatório ainda frisa que a falta de infraestrutura escolar, sanitária e de água potável, agravada pela crise climática, aumentou a vulnerabilidade das comunidades indígenas.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

18º Festival Gastronômico de Peruíbe promete uma explosão de sabores e opções pra todos os gostos, durante o mês de julho

A PONTE RESTAURANTE O mês de julho já começa em ritmo de festa, sabor e alegria em Peruíbe, com o lançamento oficial do 18º Festival Gastronômico da cidade, com o tema “Sabores que conectam histórias”. Promovido pela Prefeitura, por meio da Secretaria de Turismo (SETUR), em parceria com o CONTUR, o festival começou oficialmente no dia 1º de julho e segue até 3 de agosto. GUARAU BEER HOUSE Na edição 2025, são 36 estabelecimentos participantes e traz ao público uma verdadeira viagem culinária com 39 pratos exclusivos, preparados especialmente para o evento. Dividido em cinco categorias como: Cozinha internacional; Cozinha típica ou caiçara; Comida de boteco; Pizzaria ou esfiaria e Hambúrguer artesanal, o festival oferecerá aos moradores e visitantes, a chance de degustar receitas criativas, com ingredientes selecionados, preços acessíveis e muita valorização da identidade local e regional. MAMMA LINA A iniciativa fortalece o turismo, movimenta a economia criativa e coloca os sabores de P...

Festival de Inverno segue com programação intensa em Peruíbe e traz de volta a tradicional Festa da Tainha da Barra do Una

A Prefeitura de Peruíbe segue com vasta programação do Festival de Inverno, e este fim de semana promete aquecer o coração — e o paladar — de moradores, visitantes e turistas, neste mês de férias. Entre as atrações mais esperadas está a 24ª Festa da Tainha da Barra do Una, um dos eventos mais tradicionais da cidade, que acontece de sexta a domingo, sempre a partir das 19h, no Centro Comunitário da Barra do Una. Com gastronomia caiçara, samba, forró, fandango e clima familiar, a festa atrai visitantes de toda a região. Para facilitar o acesso, a Prefeitura disponibilizará ônibus extras com saída do AME às 20h, no sábado e no domingo. Mas a programação não para por aí. Outros destaques deste fim de semana incluem: Festival Gastronômico, com mais de 40 restaurantes participantes oferecendo pratos especiais em cinco categorias Inverno Quente do Guaraú Festa da Tainha no Portinho de Pesca Festa Junina da Praça Ambrósio Baldim Festa Junina da Vila Erminda E para quem ama história e natureza,...

Podcast 11 – Leilão de Imóveis na Prática: pagamento, desocupação e análise de riscos | Carlos Campi

  No episódio 11 do podcast Lucas Galante Entrevista , continuamos a conversa com o advogado e especialista em leilões de imóveis, Carlos Henrique Campi, sócio da Fratelli Leilões. Depois de entender como funcionam os leilões no episódio anterior, agora entramos na parte prática: 🔍 Como funciona o pagamento? 🚪 E se o imóvel estiver ocupado? 📄 Quais cuidados tomar antes de dar um lance? Carlos explica os tipos de pagamento, mostra quando é possível parcelar, se dá para usar o FGTS, o que acontece com quem não paga — e alerta sobre os principais erros que fazem investidores perderem dinheiro. Falamos também do processo de desocupação judicial, o papel do advogado e as armadilhas que podem estar escondidas no edital do leilão. Se você está pensando em arrematar um imóvel, esse episódio é essencial para evitar surpresas e tomar decisões com segurança! 📝 Dica prática, casos reais e muita experiência compartilhada de quem atua diretamente nesse mercado. Assista, comente e compa...

Programa de estágio do Einstein oferece oportunidades em áreas corporativasa

O Einstein abre inscrições para seu programa de estágio voltado às áreas corporativas da organização. Para se candidatar, é necessário ter 18 anos ou mais, estar matriculado no ensino superior com previsão de formatura até 2027, além de residir em São Paulo ou ter disponibilidade para mudança, uma vez que o formato do programa será híbrido. As vagas estão distribuídas entre diversas áreas estratégicas da organização, incluindo: Comunicação Institucional, Comercial e Marketing, Digital (abrangendo Tecnologia da Informação, Dados e Analytics, Governança, Arquitetura e Segurança da Informação), Ensino e Consultoria, Excelência em Saúde, Inovação, Planejamento Financeiro e Serviços (como Compras e Suprimentos), Patrimônio, Engenharia e Manutenção, Responsabilidade Social e Recursos Humanos. “Nosso programa de estágio reflete o compromisso institucional em formar profissionais preparados para os desafios do futuro. Mais do que uma referência na área da saúde, o Einstein é uma organização co...

Acender fogueiras próximo à rede elétrica pode causar sérios acidentes

A noite de São Antônio está chegando e para celebrar o santo casamenteiro na tradição junina, muitas famílias acendem fogueiras. É preciso atenção com o local onde as fogueiras serão acesas, principalmente, se existir rede de distribuição de energia por perto. Fogo e eletricidade não combinam e podem causar sérios acidentes. Para orientar a população e mitigar riscos, a Neoenergia Elektro lista orientações de segurança para que as festas juninas sejam tranquilas.   Não monte fogueiras embaixo da rede elétrica ou de linhas de transmissão de energia. Caso decida montá-la, procure um local distante dos fios, postes, transformadores e todos os demais equipamentos da rede elétrica. Montar a fogueira próximo à vegetação também não é uma boa ideia, pois pode incendiar as árvores ou plantações. As chamas também podem danificar equipamentos elétricos.   Outra medida de segurança a ser observada é a não utilização de redes elétricas particulares próximo à fogueira. Muitas vezes, extensõ...